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Bespoke Tailoring - 

 

Manuel da Costa Andrade

 

 
Professor Catedrático da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra

 

 

 
TEXTO INTEGRAL
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CONSULTA
 
 
1.  Em processo-crime que corre os seus termos contra FERNANDO JOSÉ DA COSTA SALGADO, foi este arguido condenado por douto acórdão do Tribunal do Círculo de Vila Nova de Famalicão (de 22 de Julho de 2011) como autor de um crime de Peculato na forma continuada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 375º, nº 1 e 30º do Código Penal. Foi-lhe aplicada a pena de 4 anos de prisão, com recusa do benefício da Suspensão da execução (artigo 50º do Código Penal). A condenação teve como base os factos tempestivamente dados como provados e imputados ao arguido FERNANDO SALGADO pelo Tribunal a quo, em termos que se dão integralmente reproduzidos.
 
2.  A defesa interpôs, nos termos legais, recurso, tanto em matéria de direito como de facto. No que respeita à matéria de facto, a defesa aponta o que considera ser patente e irredutível contradição entre o que foi prova efectivamente produzida na audiência – e cuja trajectória é possível refazer através da transcrição da gravação – e a matéria ulteriormente dada como provada. Este desfasamento e contradição atingem particular relevo e significado em relação a duas ordens de factos, a saber:
 
a)  Por um lado, da produção da prova resulta linear e unívoco que o procedimento e as práticas adoptadas pelo arguido FERNANDO SALGADO no tratamento (circuitos a seguir, ritmos dos movimentos, tempos de execução das singulares acções, etc) dos cheques recebidos dos assistentes e destinados ao pagamento das dívidas da Pasual – Fábrica de Vestuário, Lda à Segurança Social, contaram sempre com a concordância integral, esclarecida e livre dos mesmos Assistentes. E, concretamente, do ABEL REIS DA COSTA E SÁ, gestor de facto da empresa e procurador dos respectivos sócios, seus familiares, de resto. Provou-se, com efeito, que o ABEL SÁ, de forma esclarecida e livre, aderiu inteiramente tanto à utilização de cheques ao portador, como ao percurso e o ritmo que estes deveriam seguir, cometendo ao arguido a escolha das contas por onde eles deveriam passar e ser depositados e o tempo que nelas deveriam permanecer antes de as somas correspondentes serem depositadas nos serviços de tesouraria da Segurança Social.
 
b)  Por outro lado, não se provou que o arguido FERNANDO SALGADO tenha em momento algum assumido a intenção de não restituir as importâncias que assim chegaram legitimamente à sua posse no cumprimento do projecto que foi objecto do acordo supra referido. Provou-se, antes, que o arguido acabou por assegurar uma restituição substancial daquelas somas, operadas sob a forma de compensação com créditos seus, adquiridos por serviços de consultadoria e advocacia entretanto prestados à Pasual.
 
3.  Posto entre parênteses o recurso interposto em matéria de facto e seja qual for o seu destino definitivo, somo perguntados sobre se, em nosso entender, os factos a seu tempo dados como provados pelo douto Tribunal de Vila Nova de Famalicão podem sustentar a condenação do arguido FERNANDO SALGADO pelo crime de Peculato, previsto e punido elo artigo 375º, nº 1 do Código Penal, nos termos em que o fez o Tribunal ora recorrido.
 
Somos, para além disso, perguntados sobre as consequências jurídicas do eventual reconhecimento dos factos reivindicados pela defesa, nos termos das alíneas a) e b) do número anterior.
 
4.  Foram-nos presentes cópias das peças mais importantes do processo – nomeadamente do douto acórdão do Tribunal de V.N. de Famalicão e das alegações de recurso subscritas pela defesa do arguido FERNANDO SALGADO – cujo teor damos por reproduzido.
 
 
 
 
 
III
 
14.  A serem pertinentes, como se nos afigura, as considerações que deixamos expendidas permitem-nos concluir com toda a segurança:
 
a)  Os factos dados como provados e imputados ao arguido FERNANDO SALGADO pelo douto acórdão do Tribunal de V.N. de Famalicão não preenchem a factualidade típica do crime de Peculato, previsto no nº 1 do artigo 375º do Código Penal. E isto pela falta, tão manifesta como insuprível, de um dos momentos nucleares da factualidade típica deste crime especifico impróprio: o recebimento do dinheiro “em razão das suas funções”.
 
b)  A exclusão do ilícito típico do crime de Peculato provoca uma redução significativa do “grau de ilicitude” (artigo 71º, nº 2, alínea a) do Código Penal) dos factos pelos quais possa eventualmente responsabilizar-se o arguido.
 
c)  A redução do grau ilicitude terá, por sua vez, de provocar um abaixamento significativo da pena concreta, que terá de ser fixada sensivelmente abaixo dos 4 anos de prisão, pena considerada ajustada para um ilícito do crime Peculato, isto é, de um crime específico impróprio, cometido no exercício de funções públicas.
 
d)  A redução do grau de ilicitude terá igualmente de arrastar uma revisão da decisão de recusar a suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50º do Código Penal), benefício cuja aplicação é, no caso vertente, reclamada por razões de ressocialização (ou de obstáculo à desocialização), não sendo contrariada por razões de prevenção geral.
 
e)  Por ser assim, o equilíbrio das razões de ressocialização e de prevenção geral, impõe o recurso à suspensão da execução da pena de prisão seja qual for em definitivo a qualificação jurídico-penal dos factos.
 
f)  A falta de prova de intenção de não restituir obriga a proceder como se se tivesse produzido a prova de intenção de restituir, o que equivale à falta da prova da acção típica do crime de Abuso de confiança, a “apropriação”. Sendo assim, sobrará a possibilidade de levar os factos à factualidade típica e ao regime de Infidelidade (artigo 224º do Código Penal).
 
g)  Um quadro em que não deixará de produzir-se uma outra, acrescida e particularmente reforçada, redução da pena concreta.
 
 
Tal é, s. m. j., o nosso parecer
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